segunda-feira, 26 de julho de 2010

CINEMA PARADISO #2: UP - ALTAS AVENTURAS



A Pixar é uma verdadeira fábrica de sonhos. A partir de 1995, com o lançamento de Toy Story, uma verdadeira revolução na maneira de se pensar e realizar "desenhos animados" foi iniciada. Os tradicionais desenhos animados começavam, a partir daquele momento, a perder cada vez mais espaço para os novos longas de animação. Com avanços tecnológicos que permitiam ir além do alcançado pelos modelos clássicos, e, principalmente, ao optar por acrescentar às obras uma abordagem notadamente mais adulta, os novos desenhos animados agregaram, praticamente, todas as demais faixas etárias ao seu público consumidor.

Sei que bastaria citar dois ou três filmes da Pixar, para que todos concordassem que estamos diante de uma grande empresa, com profissionais do mais alto gabarito no cumprimento de suas funções. Contudo, farei questão de citar todos os filmes até hoje produzidos, para que tenhamos certeza de que não se trata apenas da repetição de fórmulas prontas e clichês baratos, e sim, de excelência total em todos os setores de produção, unindo a competência, à tecnologia e, principalmente, à sensibilidade.

Toy Story 1, 2 e 3, Vida de Inseto, Monstros S.A., Procurando Nemo, Os Incríveis, Carros, Ratatouille e Wall-E, são filmes extremamente diferentes entre si. Obviamente, o motor deles todos é o universo infantil, não poderia ser diferente. Porém, temáticas adultas aparecem o tempo todo, e é a sensibilidade ímpar em unir e dosar esses ingredientes, que conferem tamanha singularidade a cada uma dessas grandes obras.

Os brinquedos, os monstros, os carrinhos, os bichos e os robozinhos, são inseridos em tramas envolvendo laços familiares, retomada de valores, amor, amizade, vaidade, preconceitos, lições de análise, ecologia e sedentarismo, fazendo, então, com que todos se sintam compelidos a ir à sala de cinema, mesmo quando, inicialmente, se pensava tratar de um filme voltado para o público infantil.

Dito tudo isso, em que, então, UP poderia se destacar nesse universo já tão magnífico? Simples, UP, de todos esses, é o que mais profundamente e sensivelmente nos toca. Desde a forma adotada para nos contar sua história, até os pontos abordados por esta em si, UP acerta em todos os detalhes, nos deixando com um "nó na garganta" já nos minutos iniciais do longa e por todo o restante da projeção.

UP é o primeiro filme da Pixar onde os personagens principais são seres humanos. Apesar da família Incrível, de Os Incríveis, ter aparência humana e problemas típicos de famílias humanas, tratavam-se de seres dotados de poderes especiais, portanto, não se encaixam exatamente na regra. Já em UP, somos apresentados a um típico rabugento homem idoso, viúvo, que mora sozinho e que, aparentemente, tem motivos para ter raiva de tudo e de todos. Os minutos iniciais nos permitem ver, maravilhosamente, como aquele homem chegou à essas condições e, por si só, já mereceriam encabeçar quaisquer listas de "melhores começos de filmes de todos os tempos".


Em um flashback absolutamente comovente, sem nenhum diálogo, apenas compilando os melhores (e piores) momentos de suas vidas, somos apresentados à Carl Friedricksen e Ellie, amigos de infância que se casaram, viveram e sonharam juntos. Como qualquer casal, colecionaram uma série de momentos inesquecíveis, outros tantos esquecíveis e alguns arrependimentos de coisas não-realizadas, sendo, neste último ponto, que o filme irá concentrar os seus esforços.





Por se sentir, de alguma forma, culpado por não ter concretizado juntamente à Ellie todos os planos que fizeram, Carl é um homem velho, amargurado e frustrado. Sozinho, ele ainda habita a mesma casa de outrora, mesmo que nada mais ao seu redor tenha sido preservado. Extremamente apegado a todas as coisas que o remetem a seu passado com sua mulher, ele guarda e cuida minuciosamente de todos os objetos, fotos, álbuns e até mesmo suas duas poltronas ainda encontram-se nas mesmas posições em que provavelmente ficaram durante todo tempo em que Ellie ainda estava viva. Carl sabe, e sente, que deixou de viver no mesmo instante em que sua mulher partira.


Irá se contrapor à esse universo triste, o surgimento do personagem Russel. Um menino-gordinho, cativante, falante e determinado. Sua missão é conseguir ajudar um idoso a fim de obter a medalha que lhe falta como escoteiro. O acaso faz com que eles se encontrem e iniciem uma jornada de aventuras, descobertas e reflexão.

... pausa !

(Depois de ter escrito uma infinidade de linhas e perdido tudo por conta de uma pane momentânea do blog, serei muito mais breve do que anteriormente).

Com uma abordagem extremamente adulta e eficientemente bem desenvolvida, UP levanta questões de grande relevância que, por si só, gerariam horas de debates. A dificuldade de Carl em se desfazer dos símbolos de seu passado está vinculada ao sentimento de culpa por ele carregado. Ao optar por agir dessa forma, Carl estaria preservando a memória de sua amada esposa, fato esse que ele julga ser o mais correto a se fazer. Desta forma, sua vida acaba se tornando amarrada, já que ele pensa ser injusto realizar novos sonhos sem a presença de Ellie, condenando-se a uma existência enfadonha e aborrecida.

Somente no momento (brilhante) em que, ao encontrar um velho álbum de fotografias e tomar coragem para ir além de uma determinada página, Carl consegue se libertar das suas amarras. Ao descobrir o sentimento de gratidão que sua mulher nutrira por tudo o que viveram juntos, Carl finalmente se dá conta de que é o momento de aposentar de vez os símbolos do passado e partir em busca de outros.



Isso irá nos remeter a um outro questionamento que, confesso, não sei se foi inserido de forma intencional ou se sou eu divagando: situações assim não se resolveriam se houvesse mais diálogo? Chamo de diálogo, mas poderia ser qualquer palavra, sinal, gesto, atitude, que possa alertar o companheiro não apenas quando se encontram diante de momentos de crise, o que é comum, mas, também, a fim de mostrar gratidão, amor, respeito pela história e pela felicidade por eles compartilhada.


De qualquer forma, apenas por cercar questões interessantes como esta, UP nos encanta do primeiro ao último minuto, tornando-se uma experiência imperdível e inesquecível. Contando ainda com alguns personagens surreais, que servirão, metaforicamente, como ilustrativo do quão sedutor e divertido pode ser aventurar-se em qualquer idade.

Muito mais do que um filme infantil ou um desenho animado com uma música bonitinha, UP não apenas é uma aula de cinema, mas, também, uma verdadeira lição de vida.

UP - ALTAS AVENTURAS (UP, 2009)

OSS!

Um comentário: