sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O CARTEIRO E O POETA #1: A RUA DAS RIMAS - GUILHERME DE ALMEIDA

Mais uma vez vou me arriscar a falar do que não entendo muito. Neste caso, porém, a culpa não é minha. A maioria das pessoas da minha geração foi desestimulada no que se refere à hábitos de leitura. No meu caso, o problema começou, aproximadamente, aos 11 anos de idade, quando a escola me forçou a ler Vidas Secas, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Este último, por sinal, não satisfeita em apenas exigir a leitura, a professora ainda pediu que fizéssemos um teatro, onde deveríamos responder a grande questão da obra: Capitu era ou não uma traidora? Meu Deus! De fato, não há como negar, são obras espetaculares, mas não para recém-nascidos.

Este atentado cometido pelo(s) colégio(s), fez com que eu cultivasse uma fobia por livros, de forma que são facilmente contados os que li durante minha vida. Acabei por me enveredar no universo dos filmes, fazendo com que os livros ficassem ainda mais em segundo plano, ou terceiro. Não me orgulho nem um pouco disso, acreditem.

Felizmente, nem tudo foi perdido, creio eu. Tenho algumas cartinhas escondidas nas mangas (curtas, rs). Uma delas, é o belo e sensível poema de Guilherme de Almeida - A Rua das Rimas. Lembro-me de, ainda adolescente, já ter memorizado o poema completamente, de tanto que me agradava a sua leitura. Hoje, relendo-o, a impressão não se alterou. Continuo a invejar a Rua esculpida, de forma primorosa, por Guilherme de Almeida.

Na verdade, eu desejo a Rua. E penso não haver melhor maneira de dizer o quanto gosto do poema do que esta. Ele desperta o meu pensamento, fazendo com que minha cabeça começe a desenhar, passo a passo, cada detalhe enumerado pelo poeta. Ao terminar de ler, minha vontade é de morar, para sempre, neste lugar mágico que foi criado. Apreciar o piano provinciano ou a serenata de violões, encontrar a si mesmo no intenso, imenso e denso silêncio, quebrado apenas pelo som das crianças, o som da paz.

Interpretar qualquer coisa é muito difícil, poemas, creio eu, são ainda mais subjetivos. A própria maneira com que são concebidos induzem a múltiplas interpretações. Esta é a intenção. Mas, nesse caso, quero guardar para sempre a maneira com que enxergo a Rua das Rimas, certamente, o endereço onde se encontra a Felicidade.

A RUA DAS RIMAS

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino

é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,

direita, estreita, bem feita, perfeita,

com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;

e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,

douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas;

e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço laço e basso;

e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,

mas brando e brando, soltando, de vez em quando,

na luz rara de opala de uma sala uma escala clara que embala;

e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;

e de noite, no ócio capadócio,

junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;

e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata que me mata...);

e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio...

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino

é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher que bem me quer

é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calças nuas,

correndo paralelamente, como a sorte indiferente de toda gente, para a frente,

para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito

e que rima com mocidade, liberdade, tranqüilidade: RUA DA FELICIDADE...


Guilherme de Almeida



OSS!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

CINEMA PARADISO #7: TEMPOS MODERNOS (1936)

Ontem, pela primeira vez na minha vida, assisti à um filme-mudo. O escolhido, como não poderia deixar de ser, foi a obra-prima de Charles Chaplin, Tempos Modernos. Tenho, costumeiramente, esse hábito: sempre que vou buscar conhecer algo novo, tendo a ir direto ao melhor exemplar daquilo em questão. Nem sempre isso é uma boa idéia. Por exemplo, ao querer me familiarizar com o cinema de Fellini, assisti, de cara, Fellini 8 e 1/2. E mesmo sendo incapaz de negar toda a genialidade da obra, sinto não ter feito uma boa escolha, visto que nunca mais quis ver outro filme do diretor, ao menos por enquanto.

Felizmente, o mesmo não ocorreu e nem ocorrerá com Charles Chaplin. Ao fazer delicada escolha, não apenas me surpreendi com o que vi, bem como certo estou de que irei querer buscar, mais a fundo, o conhecimento sobre o cinema de Chaplin.

Falando agora sobre o filme, trata-se de uma crítica feroz à sociedade norte-americana e o seu modelo de trabalho no período seguinte à Grande Depressão de 1929. Chaplin escreve, dirige e atua mostrando igual maestria em todas as funções. Extremamente expressivo, facial e corporalmente, ele, de fato, não precisa de diálogos para se fazer entender. Seu modo de caminhar, seus trejeitos e seus tiques, imitados futuramente à exaustão por outros artistas talentosíssimos, como, por exemplo, Woody Allen e Mr. Bean, nos fazem compreender, com exatidão, o recado que está querendo ser passado. Chaplin opta, acertadamente, por pontuar a narrativa com frases curtas que colaboram, ainda mais, no processo de compreensão e acompanhamento da obra.

No longa, ele protagoniza um sujeito que não se adapta a nenhuma função que lhe é oferecida. Justamente por sentir que, trabalhando daquela maneira, seguindo o modelo de produção em massa idealizado por Henry Ford, ele estaria cometendo um atentado contra si mesmo, deixando de lado todo o seu potencial real, apenas para tornar-se uma peça, insignificante, de uma engrenagem que nunca para de funcionar. O que nos leva à bela metáfora visual (claro, é cinema-mudo) da cena em que ele, literalmente, transforma-se em parte do maquinário da empresa em que trabalha.

Pulando de trabalho em trabalho, sendo preso e solto o tempo todo, e envolvendo-se em diversas cunfusões com seu par romântico, Chaplin não desiste de correr atrás do sonho de ter uma casa e constituir família com sua amada. Qualquer semelhança ao "sonho americano" não é apenas coincidência. E, tal qual na vida real, ele descobre, verdadeiramente, sua vocação por acidente. Sendo praticamente jogado em um trabalho onde teria que entreter uma platéia, Chaplin vê fluir tudo aquilo que guardara por toda a vida: sua arte. A naturalidade que esbanja e a evidente felicidade demonstrada, deixa claro que naquele momento, finalmente, os verdadeiros talentos daquele ser-humano estavam sendo descobertos, e não mais ocultados por um sistema de produção burro.


Vale constatar que era a primeira vez em que Charles Chaplin mostrava a sua voz em um filme. E para tornar isso ainda mais incrível e marcante, ele o faz de maneira extremamente simbólica, soltando palavras a esmo, em nenhum idioma. O mais incrível é que conseguimos rir e nos divertir com aquilo que está sendo dito, como se estivéssemos compreendendo, de fato, aquelas palavras. Tal coisa é concebível apenas na cabeça de gênios mesmo.

Mesmo sem nos mostrar um final feliz nos moldes que estamos habituados, Tempos Modernos ainda consegue, brilhantemente, comover em sua cena final. Sendo obrigado, mais uma vez, a abandonar sua casa para poder continuar junto de sua amada, ambos dirigem-se, lado-a-lado, à uma estrada, reta, horizontal, maravilhosamente fotografada em preto-e-branco, na qual, antes de seguir jornada, Chaplin aproxima-se da câmera junto à sua mulher, pedindo-lhe que sorria. Um momento sensível e tocante que nos mostra todo o amor pela vida que aquele sujeito tem, nos fazendo repensar nossas próprias vidas e nossos muitos potenciais escondidos.




OSS!

O SOM DO CORAÇÃO #2: LULU SANTOS - TEMPOS MODERNOS

Primeiramente, devo dizer que a ausência nas últimas duas semanas se deve pelos inúmeros compromissos de final de ano. Profissionais e pessoais. Último mês das aulas escolares, eventos de Karate acontecendo o tempo todo, e a vontade de encerrar o ano com chave-de-ouro me forçaram a manter-me distante do blog neste período. Soma-se a isso a pressão emocional acarretada por conta da proximidade da liberação (ou não) do meu visto Japonês, tenho, já, grandes motivos para não ter cabeça e nem tempo para escrever.

Dito isto, gostaria de compartilhar com os que aqui frequentam a música que acordei cantarolando hoje. Vejam como o bom uso do Português pode resultar numa obra, simultaneamente, sensível e tocante, ao passo que nos manda um recado duro, objetivo e direto.

De fato, Lulu Santos (um sujeito habitualmente arrogante que demonstra uma soberba questionável, porém não injustificável, mas isso é assunto para outro post) acerta a mão e nos presenteia com uma canção que retrata - tal qual o filme-mudo de Chaplin - os Tempos Modernos.

Vamos nos permitir?


"

Eu vejo a vida
Melhor no futuro
Eu vejo isso
Por cima de um muro
De hipocrisia
Que insiste
Em nos rodear...

Eu vejo a vida
Mais clara e farta
Repleta de toda
Satisfação
Que se tem direito
Do firmamento ao chão...

Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão...

Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não, não, não...

Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir...

Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão...

Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não...

Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há prá viver
Vamos nos permitir...

E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir...

"

OSS!