terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O CARTEIRO E O POETA #2: SONETO DA FIDELIDADE

SONETO DA FIDELIDADE

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes

Poesias são coisas de outro planeta, não? Como já disse anteriormente, não entendo de literatura. Tampouco sou um estudioso do assunto, mas, se me é permitido ser apenas um apreciador, é o que faço então.

Primeiramente, me dá inveja a liberdade de escrita e o alcance permitido pela poesia. Digo que me dá inveja, pois não sou capaz de me comunicar através de poemas, sendo, então, obrigado a escrever parágrafos e parágrafos, páginas e páginas, para dizer algo que, possivelmente (e provavelmente), poderia ser dito em uma única estrofe, pra não dizer verso.

Olhando para este Soneto, então, já me imagino escrevendo uma dezena de páginas para tentar dizer algo próximo (ok, nem tanto) do que foi dito, magnificamente, por Vinícius de Moraes. Em vez de fazer isso, esperto que sou, farei o que os incapazes fazem: criticam.

Mais do que analisar a estética do Soneto, dizer que as rimas são intercaladas nos quartetos e misturadas nos tercetos, dizer que os versos são todos decassílabos, ou citar qualquer outro tipo de informação técnica, torna-se irrelevante diante da magnitude do que está sendo dito pelo autor.

Parece-me (e aí já posso estar delirando) que, muito mais do que valorizar a fidelidade à sua amada, Vinícius preza, acima de tudo, ser fiel aos seus sentimentos, justificando, assim, a mortalidade do amor.

"De tudo ao meu amor serei atento"

Neste verso, de cara, Vinícius já dá o tom de sua poesia. Sinto que ele quer dizer que estará atento ao "seu" amor (o amor dele), ao "seu" sentimento (ao que ele sente). E o emprego do pronome possessivo "meu" é, propositalmente, confuso. A primeira interpretação que vem à cabeça de todos, é a de que ele iria devotar sua atenção à sua amada, dando à expressão "meu amor" o sentido de substantivo concreto. Pode ser, mas eu vejo de outra forma. Vejo que o "meu amor", nada mais é do que o substantivo abstrato que sempre foi e não tem um nome específico. Talvez eu esteja analisando de forma demasiadamente egoísta. Talvez, o uso do pronome "nosso" esclarecesse essa dúvida. Talvez, esclarecer seja - exatamente - o que os poetas não querem.

Com isso, ele não se contradiz ao dizer que pretende viver o "seu amor" em sua plenitude. Justifica o zelo, justifica o canto, o riso e o choro, afinal, é a sua (dele) felicidade que está em questão. E, para isso, está disposto a se doar até a morte, se for o caso, desde que sinta que ainda trata-se de um amor que valha a pena.

"Quem sabe a morte, angústia de quem vive"
"Quem sabe a solidão, fim de quem ama"

Em contrapartida, no primeiro terceto, o poeta nos dá a dimensão e a grandeza do seu amor e de sua devoção ao enumerar apenas duas razões que poderiam matá-lo: morte e solidão.

Conformismo e pessimismo são as marcas desses dois versos. Ao dizer que,"mais tarde" a morte ou a solidão irão "procurar" por ele, o poeta prenuncia o fim do amor. Seja de forma incontrolável - a morte - ou de forma mundana - a solidão. Neste caso, causada - ao meu ver - pelo fim do amor da amada e não o dele próprio, visto que ele faz uso do verbo "amar" no presente e não no pretérito.

Por fim, no último terceto, aparece a parte mais bela e famosa do Soneto:

"Eu possa me dizer do amor (que tive):"
"Que não seja imortal, posto que é chama"
"Mas que seja infinito enquanto dure."

Os dois últimos versos são os mais famosos e sempre recitados, aleatoriamente, conforme a conveniência de quem o faz. Porém, o que me chama mais a atenção neste terceto, é o primeiro verso. Dessa vez, ao escolher o pronome oblíquo me (primeira pessoa), o poeta deixa evidenciar uma preocupação em justificar para si próprio a grandeza e a magnitude do amor que viveu, como se, de uma maneira bem discreta, abrisse margem ou previsse autoquestionamentos futuros do tipo:

Será que eu fiz tudo o que podia para manter viva a chama do amor?

Não sei, mas, ao menos, foi infinito enquanto durou.

"e deita a cabeça no travesseiro e sorri e dorme."

Ok, esse verso é meu, mas bem que poderia ser seu, não é Vinícius? Seria melhor, claro!

OSS!

2 comentários:

  1. Bela análise, egocentristo total!

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  2. A.D.O.R.E.I muito!
    Isso é poesia... E a beleza reside justamente em como podemos lê-las (as poesias) e viajar nelas, e sentí-las, e interpretá-las, sem rédeas ou regras pré concebidas.
    Parabéns!

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