terça-feira, 19 de maio de 2015

O CARTEIRO E O POETA #23: MUSASHI EM "A FLAUTA - PRIMEIRA PARTE"



[...]

Antes de saírem, destinados à pernoitar na densa floresta que cercava a Vila Miyamoto, Takuan pedira a Otsu que preparasse comida, muita comida: bolinhos de arroz, temperos, carne e saquê compunham a principal "arma" numa caçada onde a força bruta era, sabidamente, desproporcional. 

Contudo, em nenhum momento o sábio monge lograra seguir por este caminho. Conhecedor prévio da má fama de Takezo, ele já sabia que seria inútil envolver-se com o objeto de sua caçada em um confronto físico, sendo assim, usaria as armas que lhe eram mais desenvolvidas e favoráveis: o cérebro e a língua sempre afiada.

Estabelecido o local do acampamento, um ligeiro declive em campo aberto ilhado por mata-fechada em todos os lados, Takuan sentou-se, cruzou suas pernas e pôs-se em meditação. Porém, mal teve tempo de espantar os primeiros pensamentos que lhe viriam, fora brutalmente interpelado por uma Otsu atônita: 

- O quê? O senhor faz um acordo absurdo com o comandante do Bigodinho-de-Arame, dando tua própria e inútil cabeça como prêmio, ainda por cima me envolvendo nesta loucura toda, e agora irá rezar? Não pode ser. - desesperou-se.

O bonzo, sempre muito sereno, sequer abriu os olhos para responder: 

- Sugiro que faça o mesmo, pequena Otsu. Temos uma árdua caçada pela frente. 

- É inacreditável. INACREDITÁVEL! O que eu estava na cabeça quando aceitei participar disso? O senhor só pode ser louco! - exclamou Otsu, incrédula.

- Otsu-San, fala-te mais baixo, por favor, pois assim estás espantando até mesmo a pobre Deusa Kannon, a quem agora rogo por caridade e benevolência pelas nossas almas e também pela alma perdida daquele que viemos buscar. 

Sem que nada mais houvesse a ser feito para modificar a situação em que se encontrava, Otsu tratara de se aninhar e descansar, pois esta era apenas a primeira de três longas noites que se seguiriam. E logo fora acompanhada por Takuan, assim que este finalizou suas preces. 

(...)

Passados dois dias e duas noites nos quais tudo o que fizeram fora esperar que Takezo viesse-lhes servido em uma bandeja, a jovem noiva - já completamente descrente da sanidade do monge, e incrédula de que obteriam êxito na missão - pôs-se em prantos desesperada:

- Monge Takuan, eu lhe imploro, vamos levantar e procurar Takezo. Já estamos aqui há mais de quarenta e oito horas e nada. Eu não quero que o senhor perca sua cabeça, eu não quero... - e repetia como típica criança contrariada.

Eis, então, que Takuan, até então calado, fez com o dedo indicador um gesto que despertou esperança em Otsu, e na sequência profetizou: 

- Certo, Otsu-San. Eu tenho um plano. Apure os ouvidos: vejo que carregas contigo um belo exemplar de instrumento musical. Ao que vejo, numa análise superficial, aparenta ser uma flauta muito rara e valiosa, talvez uma relíquia familiar. Fiquei sabendo, através do teu senhorio do templo Shippoji, que és exímia instrumentista. Pois bem, ponha-te a tocar e acalente nossas almas nesta fria e solitária noite. 

Mal terminou de dizer, Takuan aprumou-se a espera do flutuar das primeiras notas, entretanto Otsu estava obstinada em desobedecê-lo: 

- De jeito nenhum, seu monge maluco. O senhor está a menos de dois dias de perder a cabeça e me pede para tocar flauta? É muito mais maluco do que imaginei... 

- Otsu-San, Otsu-San, não digas bobagens. Pensa-te em expurgar tua alma; Usa-te agora esta pequena flauta, estes preciosos quarenta centímetros de comprimento, para sintetizar o magnífico ser humano que em ti habitas; Dizem que através dos sete orifícios da flauta - Kan, Go, Jou, Saku, Mu, Ge e Ku - podemos alcançar as cinco paixões humanas - prazer, alegria, ódio, ira e mágoa -, pois bem, menina teimosa, mostre-me o universo recôndito que há em ti, e eu garanto que Takezo-San nos virá rastejando, implorando para ser pego, como se fora uma oferenda dos deuses em gratidão. 

[...] continua.

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Este trecho não corresponde na integralidade à obra MUSASHI de EIJI YOSHIKAWA. São apenas as minhas principais memórias sobre a história, transcritas, sucintamente, com minhas pobres palavras. Não deixem de adquirir a obra original caso estejam gostando de acompanhar. 

OSS!


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