terça-feira, 27 de setembro de 2011

OS INTOCÁVEIS #3: LENDAS DA PAIXÃO



Em um determinado momento no início da projeção de Lendas da Paixão, dois irmãos conversam tranqüilamente, sentados em um banco, acerca do futuro matrimônio de um deles com sua então noiva. Eis que, quando o assunto se encaminha para a noite de núpcias do inexperiente casal, o mais velho se vira e aconselha com ar profético:

- Eu sugiro que você FODA ela! 


Poucas coisas são tão difíceis quanto saber contar bem uma história. Tanto é que, comumente, está função é delegada a apenas uma pessoa por família, se tanto. Pois bem, é em cima deste pilar cuidadosamente construído que se estrutura o magnífico Lendas da Paixão (Legends of the Fall, 1994). Uma história simples, clichê (muitos diriam), excessivamente adocicada (outros tantos), mas que, ao ser contada de maneira tão tocante por Edward Zwick (O Último Samurai, Tempo de Glória), nos faz mergulhar naquele universo e compartilhar, simultaneamente, as dores e os amores da família Ludlow.

Encabeçada pelo Coronel William Ludlow (o soberbo Anthony Hopkins), a reclusa família habita os ermos campos norte-americanos no período pré-primeira-guerra-mundial. Dolorosamente marcado pelos horrores das guerras em que esteve, o Coronel faz o possível para manter afastado os seus três filhos dos campos de batalha. Paralelamente, a recém-chegada do caçula e inseguro Samuel (Henry Thomas) acompanhado da sua bela noiva Susannah (Julia Ormond) irá desencadear uma série de acontecimentos que mudarão, irremediavelmente, os rumos daquela família.

A história é calmamente contada através de narrações em off (por vezes confusas pelas constantes mudanças do narrador) desde a infância dos garotos. Já aí, somos apresentados ao filho do meio, o preferido do Coronel, o cabeludo, indomável e rude Tristan Ludlow (Brad Pitt). Tristan carrega consigo toda a rebeldia descrita anteriormente, mas, ao mesmo tempo, um olhar doce e carente, daqueles que pedem proteção. Assim, é por esta inusitada combinação de atributos, que a curiosidade de Susannah se aguçará, dando início a um quadrado amoroso que também envolverá o primogênito, todo-certinho e polido Alfred (Aidan Quinn).

Um olhar superficial sobre a história levará olhos menos sensíveis a julgarem machista a posição de Zwick. Afinal, trata-se da clássica visão bíblica da mulher-pecado que vem à Terra com o único intuito de provocar desunião e caos por onde passa. Porém, Julia Ormond se encarrega de desfazer esse clichê ao nos presentear com um atuação minimalista, contida e pontual, na qual transmite a pureza das suas intenções e dos seus sentimentos nos distintos momentos de sua personagem no filme. Se no começo acreditamos no seu amor por Samuel, acompanhamos com naturalidade os seus olhos se voltarem para a beleza selvagem de Tristan e, posteriormente, à sua entrega resignada ao comodismo de uma vida a dois segura - porém sem paixão - à Alfred.

Este, visivelmente incomodado por ser preterido por seu próprio pai, encontra no afastamento uma maneira de se auto-proteger e evitar conflitos diretos. Porém, ao se envolver com a política, acaba por tomar (intencionalmente, sem dúvida) atitudes que vão contra os interesses comerciais da sua família, tornando-se ainda mais afastado e menos querido (eufemismo).

O épico é ainda enriquecido por um elenco de coadjuvantes nativo-americanos que, além de naturalmente alicerciarem muitas das principais características do velho patriarca e de Tristan, colaboram, grandemente, com a composição da idéia de lealdade e igualdade tão pregada e defendida pelos Ludlow, e que será - o tempo todo - colocada em xeque.

Por sua vez, o diretor Edward Zwick se mostra extremamente seguro ao comandar um projeto ambientado e conectado à uma temática comum em sua filmografia. Mesmo que de pano de fundo, as agruras do mundo indígena, e as seqüelas da Guerra Cívil Norte-Americana, são assuntos dominados pelo bom diretor de dois dos meus filmes favoritos. Desta forma, Zwick exibe a natural competência justamente por permitir que seus atores criem momentos realmente tocantes que não saem do imaginário de todas as gerações que já tiveram o prazer de conferir o resultado final do seu trabalho.

Lendas da Paixão é um daqueles filmes em que não vemos o tempo passar. Não sei se pela fantástica trilha de James Horner, se pela maravilhosa e premiada fotografia de John Toll, se pela inusitada combinação de elementos (como, por exemplo, o parágrafo que deu início a esta postagem), ou se simplesmente por ser uma linda e bem-contada história de amor, daquelas cada vez mais raras nesse estranho cinema tecnológico atual.

E cada vez mais necessárias!

OSS!

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