terça-feira, 14 de setembro de 2010

CINEMA PARADISO #4: KARATE KID (2010)

Foi com grande tristeza e apreensão que recebi a notícia, mais de um ano atrás, de que, um dos maiores clássicos da década de 80 - filme que fez toda uma geração vibrar e imitar o "golpe da Garça" e que trazia incontáveis ensinamentos sobre aquela arte, até então, pouco conhecida - iria ganhar uma refilmagem.

Refilmagens normalmente são descartáveis por natureza. Porém, por diversos motivos, elas continuam sendo produzidas aos montes. Com um pouco de boa vontade, até consigo visualizar um certo esforço artístico quando pega-se uma obra da década de 30, por exemplo, em preto e branco, com todas as características da época em questão, e refilmam-na, adaptando-a aos dias atuais, atualizando diálogos, costumes, ambientação e fazendo uso de novas tecnologias. Eventualmente, nesses casos, o resultado pode ser bom.


Especificamente, no caso de Karate Kid, o único motivo que consigo enxergar para a existência dessa refilmagem, é financeiro. Oportunamente, Will Smith (produtor do filme) viu a possibilidade de matar dois coelhos de uma vez só. Ao mesmo tempo que fatura mais alguns milhões, projeta, com mais força, o nome do seu filho, Jaden Smith, com quem, anteriormente, trabalhara no belo A Procura da Felicidade. Visto que a obra original continua tão viva e atual em nossa mente, todas as possíveis razões acima citadas são descartadas, transformando o projeto, antes mesmo de sua conclusão, em completamente desnecessário.

Dito tudo isso, o novo Karate Kid mostra-se digno e fiel em grande parte de suas escolhas. Se por um lado peca ao optar por usar o nome "Karate" no seu título, sem que, em momento algum, sequer um golpe originalmente de Karate seja desferido, o roteiro logo trata de minimizar essa falha (oportunista). Por outro lado, as acertadas homenagens prestadas ao longa anterior, que vão desde diálogos inteiros mantidos intactos, referências visuais a trechos marcantes da obra de 1984 e, por que não, a atuação convincente do garoto Jaden, me fizeram, por alguns instantes, sentir aquela gostosa sensação nostálgica, tão forte no filme de John G. Avildsen.

Ao fazer uso do território chinês para a filmagem do longa, Will Smith não só se mostra um bom pai, bom ator, bom produtor, bom oportunista, mas também, especialmente, um marketeiro de mão cheia. Vendo a chance (para não ter que usar "oportunidade" novamente) de ver mais dinheiro entrando nos seus cofres, Will usa toda sua influência para convencer o governo chinês a escancarar as portas de seus principais cartões postais, sem que, infelizmente, o resultado obtido seja digno de aplausos. Não conseguindo fugir do óbvio, a fotografia do filme mostra-se apenas regular, especialmente se comparada a outras obras filmadas na China, estas sim, com imagens de tirar o fôlego, por exemplo, o excepcional Herói.

De todos os meus temores relacionados à refilmagem, o maior residia na escolha do substituto do personagem Sr. Miyagi (Pat Morita - indicado ao Oscar no original). Para mim, sempre foi claro que a essência do primeiro filme encontrava-se neste personagem, sendo assim, seria árdua a tarefa de encontrar um substituto à altura. Nesse aspecto, Jackie Chan (do qual sou fã) se sai relativamente bem. Menos talentoso em momentos dramáticos (percebam como a câmera deixa de focá-lo, passando o foco para Jaden, em uma cena triste no interior de um carro) e, ainda, prejudicado pelo roteiro que limita, quantitativamente, os ensinamentos proferidos pelo Mestre, Chan compensa, exibindo sua habitual tendência a comicidade e suas sensacionais habilidades como artista de circo (afinal passou parte de sua vida no Circo de Pequim), fazendo as cenas de luta tornarem-se mais movimentadas e dinâmicas. Ponto positivo tratando-se de cinema. Negativo tratando-se de Karate.

Em contrapartida, por já sabermos das habilidades marciais de Jackie Chan, o filme - comparando com o original - sai perdendo, e muito, no aspecto de misticidade. Era incrível e inacreditável ver como o Sr. Miyagi, um velhinho aparentemente indefeso e fraco, conseguia subjugar adversários muito maiores e mais fortes, fazendo uso de pouquíssimos gestos. Criava-se então a mística em torno da Arte. Mística esta que, na refilmagem, soa forçada e apelativa, fazendo uso de elementos extras de pouco bom-gosto.

Depois de mais de duas horas de projeção, certo de que o filme já caminhava para o seu tão esperado final, me peguei apreensivo e ansioso para saber como iriam adaptar o clássico clímax da primeira obra. Essa expectativa em demasia, acabou por tornar a experiência na refilmagem ainda mais frustrante. Sem se mostrar capaz de captar o tom de urgência e agonia da cena final (méritos para Bill Conti e sua sensacional trilha), o diretor Harald Zwart se perde ao inventar demais num momento que, originalmente, primava pela simplicidade e objetividade. Nesse aspecto, o filme perde muito ao optar por fazer uso do Kung Fu (muito mais plástico e firulento) em vez do Karate (objetivo e direto).


Empobrecido também em seu elenco secundário (basta lembrar que, no original, tínhamos o icônico Martin Kove como John Kreese - Sensei dos Kobra Kai - e a bela Elisabeth Shue como par romântico de Ralph Macchio), e sempre boicotado pelo roteiro artificial que tenta nos fazer engolir um suposto clima de romance entre Dre (Jaden) e sua coleguinha chinesa de escola, sendo que ambos não aparentam ter mais do que 11 ou 12 anos de idade, a experiência potencialmente interessante de assistir Karate Kid numa sala de cinema, seria muito mais válida e prazerosa se algum cineclube resolvesse reprisar o clássico de 1984. Este sim, como sabemos, A Hora da Verdade.

KARATE KID - A HORA DA VERDADE ( THE KARATE KID, 1984) -
KARATE KID ( THE KARATE KID, 2010) -

OSS!

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