Neste Dia da Independência, tive o prazer de rever este que é um dos melhores e mais intensos filmes nacionais dos últimos anos. Protagonizado e conduzido brilhantemente por Selton Mello, o longa nos apresenta a Lourenço, o solitário (por opção) proprietário de um enigmático estabelecimento de compra e vendas de produtos usados.
Mesmo tendo em seu protagonista alguém que raramente mede as palavras, desconhece eufemismos, e é sempre muito direto com os demais, o filme, em sua essência, é extremamente simbólico e conotativo, começando pelo seu agressivo título que, de cara, nos alerta para que agucemos ao menos três dos nossos cinco sentidos.
Sem jamais se preocupar em especular sobre a origem do personagem nem sequer sobre sua boa condição financeira (pois sempre o assistimos comprando "produtos" e nunca os vendendo), o longa já se inicia promissor ao, em seus minutos iniciais, acompanhar de perto aquele que se tornaria o maior objeto de desejo do protagonista, e, neste sentido, poderia, perfeitamente, esta postagem estar numa outra série de postagens deste mesmo blog: "Como Começar Bem Um Filme".
Permitindo que mergulhemos aos poucos naquele universo triste, degradante e deprimente de Lourenço, o diretor Heitor Dhália acerta em praticamente todas as suas escolhas para não nos tirar este prazer (mórbido). Desde a elegante maneira com que monta a caminhada do personagem de sua casa até o trabalho e vice-versa, sempre com quadros abertos e congelados, repletos de muros, portões e paredes extremamente grandes, potencializando, assim, a sensação de solidão e insignificância do personagem. Até a sábia escolha de, por saber do imenso talento do ator, sempre optar por fechar a câmera nas expressões ambíguas e penetrantes que Selton Mello cria para o seu Lourenço.
Escrito a partir do livro homônimo de Lourenço (!) Mutarelli, o roteiro do filme tem, em seu maior acerto, o fato de saber, perfeitamente, que a maior virtude da obra são os seus diálogos, sempre duros, secos, expositivos, mas nunca excessivos ou desnecessários. Assim, O Cheiro do Ralo, algo que naturalmente tenderia a repelir e enojar as pessoas, consegue a façanha de nos fazer querer mergulhar de nariz neste buraco fedorento.
OSS!